
Morreu Francisco Guedes, fundador do Festival Correntes d’Escritas
25/03/2025O editor e programador cultural Francisco Guedes, fundador do festival literário Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim, faleceu na segunda-feira, conforme anunciou a editora Húmus, da qual era cofundador e onde coordenava a coleção 12catorze.
A notícia foi partilhada pela Húmus na sua página oficial do Facebook na noite de segunda-feira: “O nosso amigo Francisco Guedes morreu. Deixou-nos, e fica a lembrança do seu generoso empenhamento, a sua gentileza, a sua amizade feliz. Até sempre, Francisco”.
Nascido em Matosinhos, distrito do Porto, em julho de 1949, Francisco Guedes era filho do ator João Guedes e irmão da atriz Paula Guedes. Em 1999, apresentou à Câmara Municipal da Póvoa de Varzim a ideia para o festival Correntes d’Escritas, cuja primeira edição se realizou no ano 2000.
Desde então, assumiu a organização e direção do evento, tornando-o uma referência no panorama literário nacional e internacional.
Para além do Correntes d’Escritas, esteve igualmente na génese de outros festivais literários no norte do país, nomeadamente o LeV – Literatura em Viagem, que teve a sua primeira edição em 2006 na Biblioteca Municipal Florbela Espanca, em Matosinhos, e o FLiD – Festival Literário do Douro, cuja sexta edição decorreu no ano passado no Espaço Miguel Torga, em São Martinho da Anta, concelho de Sabrosa, distrito de Vila Real.
A ligação de Francisco Guedes ao mundo editorial remonta a 1986, através das Edições Asa, onde permaneceu até meados dos anos 1990. Durante esse período, destacou-se na divulgação de novos autores e na publicação de obras especiais, como o catálogo dedicado à artista Gracinda Candeias, intitulado “A Pintura na Pele” (1992).
Nos anos 1990, apostou na publicação de vários livros em colaboração com o jornal Público, muitos dos quais dedicados à gastronomia portuguesa. Utilizou, por vezes, o pseudónimo Dulce Salgado para explorar diferentes formas de confeção de alimentos, sempre com um toque literário distinto.
A gastronomia continuou a fazer parte do seu percurso literário, com a publicação de obras na Dom Quixote, como “Guia Anual dos Restaurantes de Portugal”, “Receitas Tradicionais Portuguesas” e “As 100 Maneiras de Cozinhar Bacalhau e Outros Peixes”. Mais tarde, expandiu esse trabalho para outras editoras, como a Livros d’Hoje, com “202 Maneiras de Cozinhar Porco”, e a Húmus, com “123 Receitas da Cozinha Portuguesa – Sopas, Açordas e Migas”.
A sua atividade editorial manteve-se constante ao longo dos anos, estando envolvido na organização da antologia “A poesia é tudo”, editada em parceria com a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim no âmbito do Correntes d’Escritas. Desde 2020, coordenava a coleção 12catorze da Húmus, onde publicou autores como António Hess, José Guardado Moreira e Ricardo Belo Morais.
A sua morte gerou várias manifestações de pesar por parte da comunidade literária.
O escritor António Cabrita, que publicou mais de uma dezena de títulos com Francisco Guedes, afirmou que “o que Chico Guedes organizou e fez mexer, nos últimos 25 anos, os encontros que proporcionou, os livros que semeou, dava um baralho do Tarot”.
A escritora Kátia Bandeira de Mello-Gerlach, que publicou pela Húmus “Experimentações Poéticas – Sobre Coleridge”, salientou a importância de relações felizes entre escritores e editores, caracterizando Francisco Guedes como um editor acessível, comprometido com a difusão da literatura.
O editor Manuel Alberto Valente, por sua vez, expressou nas redes sociais a sua tristeza, afirmando: “Éramos amigos desde os tempos longínquos de Angola (ele no mato, eu em Luanda) e a vida foi-nos sempre cruzando. Era um homem bom. E os homens bons fazem cada vez mais falta!”.
O psiquiatra e escritor Júlio Machado Vaz recordou Francisco Guedes com emoção: “O homem das Correntes d’Escritas e de milhentas iniciativas culturais por esse país fora adormeceu discretamente, como era seu timbre. A minha tristeza é tão egoísta! Quem me vai enviar Brel, Galeano ou Ferre às sete da manhã?”.
Machado Vaz partilhou ainda uma memória de uma conversa com Guedes: “Uma vez disse-lhe que íamos morrer num mundo muito diferente do que sonháramos e ele respondeu com um sorriso cúmplice: ‘Também te acontece achares que talvez pudesses ter feito mais?’. Por acaso acho, mas o ‘também’ era injusto, ele bateu-se enquanto teve forças e mesmo depois de as perder.”
O velório de Francisco Guedes realiza-se esta terça-feira, a partir das 16h00, no Tanatório de Matosinhos, onde também ocorrerá o funeral, na quarta-feira, a partir das 11h00.
Notícia desenvolvida por Mariana Mesquita
Foto DR.