
Aos 104 anos, Manuel atravessa a Ponte 516 Arouca e cumpre sonho de aniversário
18/10/2025Manuel Gonçalves, de 104 anos e nove meses, cumpriu um dos seus maiores desejos: atravessar a ponte pedonal 516 Arouca, suspensa a 175 metros de altura sobre o rio Paiva. A concretização deste sonho aconteceu na passada sexta-feira e envolveu emoção, determinação e um grande simbolismo para todos os que o acompanharam.
Residente no lar da Santa Casa da Misericórdia de Arouca, o antigo cantoneiro não escondeu a satisfação por ter realizado o feito. Apresentou-se no pórtico de Alvarenga em cadeira de rodas, trajando pantufas cinzentas e um boné castanho aos quadrados. Com o apoio de várias pessoas, foi empurrado até meio da ponte. Aí, com a ajuda de um andarilho, percorreu cerca de 100 metros pelo próprio pé, apoiado em pernas frágeis, mas decididas, demonstrando uma vontade que emocionou todos os presentes. Durante o percurso, posou para fotografias com um sorriso largo. Tentou formar com as mãos o gesto de “ok” — embora, devido à idade, os dedos já não acompanhassem com a mesma precisão.
A vontade de atravessar a ponte foi manifestada ainda em janeiro, antes de sofrer uma queda que afetou a fluidez do seu discurso. Nessa altura, Manuel recusou uma festa de aniversário ruidosa, como a que tivera aos 103 anos, e pediu apenas um almoço simples com o provedor da Santa Casa, a presidente da Câmara de Arouca e o jornalista mais antigo da rádio local. Durante esse almoço, ao ser questionado sobre qual seria o sonho que ainda gostaria de realizar, foi direto na resposta: queria atravessar a famosa ponte suspensa de Arouca, cuja imagem via frequentemente nos noticiários da RTP, que ouve em alto volume e acompanha com interesse, demonstrando grande atenção à política nacional e internacional.
No dia em que concretizou esse desejo, Manuel, já no final do primeiro sentido da travessia, partilhou duas confissões em frases pausadas: estava surpreendido por, nove meses depois da festa de aniversário, ainda conseguir realizar esse objetivo, e pensava que a ponte era mais pequena — talvez com 100 metros, e não os 516 que lhe dão o nome. À medida que regressava ao ponto de partida, fez várias perguntas ao coordenador dos Passadiços do Paiva, que o acompanhava: queria saber quantos metros tinha a estrutura, como se sustentava, quem a tinha construído e de onde eram os engenheiros. Recebeu todas as respostas com atenção e, segundo as funcionárias do lar, irá repeti-las com detalhe a quem quiser ouvi-lo.
Ana Isabel Brito, funcionária da Santa Casa e da confiança de Manuel, acompanhou de perto a visita e notou algum cansaço, mas também grande satisfação. Ângela Rocha, outra assistente, garante que Manuel sentiu a travessia como uma homenagem e teve o cuidado de agradecer a todos. Ressalva ainda o seu bom trato com as pessoas, dizendo que só “refila” quando chega o momento de pagar o IMI das casas que possui em Moldes e Macieira de Sarnes. Apesar do piso de gradeamento aberto e da vista direta para a garganta do Paiva, Manuel não sentiu medo. Disse apenas sentir admiração e confessou não esperar que a ponte fosse “tão grande”.
Hugo Rocha, guia de serviço na estrutura, acredita que Manuel é o visitante mais idoso a atravessar a ponte desde a sua inauguração, o que é particularmente notável, considerando que muitos outros, apesar de pagarem bilhete, desistem antes mesmo de começar o trajeto. O guia recorda que há visitantes que correm pela ponte, outros que a atravessam agarrados aos varões com medo, e muitos que, ao verem a altura, preferem ficar no pórtico à espera dos amigos. Já Manuel, mesmo com mais de um século de vida, fez questão de ir até ao fim. Ainda lhe foi explicado que existe um trilho pedestre até ao fundo do vale, junto ao rio. Mas, com a sua habitual lucidez e senso de humor, respondeu com prontidão: “Isso é melhor não. Antes quero ir a direito embora.”
A Ponte 516 Arouca, integrada nos Passadiços do Paiva e no Geoparque de Arouca, foi inaugurada em 2021 e é uma das maiores pontes pedonais suspensas do mundo. Os Passadiços, abertos em 2015, percorrem 8,7 quilómetros ao longo da margem do rio Paiva e já receberam mais de 1,8 milhões de visitantes, dos quais cerca de 10% são estrangeiros. Agora, também contam com o registo de uma travessia histórica: a de Manuel Gonçalves, que aos 104 anos provou que nunca é tarde para realizar um sonho.
Foto: DR